Em uma cidade barulhenta como Salvador, o ruído faz parte da rotina. Mas as consequências de conviver com altos decibéis podem ser verificadas no aumento do estresse, dores de cabeça, problemas gástricos, entre outros. Especialistas defendem que é preciso adotar mecanismos para amenizar esses danos, mas afirmam que a capital baiana ainda carece de estratégias que minimizem o impacto dos ruídos.
Somente este ano, o município já recebeu 11.932 denúncias de poluição sonora. Em 2016, foram 54.782. De 2013 a 2017, a prefeitura registrou 1.836 termos de apreensão de bens. O tráfego de veículos é o maior produtor de ruídos.
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Mestre em acústica, a arquiteta e urbanista Débora Miranda Barretto afirma que Salvador é uma cidade barulhenta. “Não há barreiras acústicas nas avenidas. Os ruídos são direcionados para os imóveis. Não tem nenhum elemento que os reduza”, diz a especialista, que é diretora técnica de uma empresa especializada em consultoria, elaboração e implantação de projetos de áudio e acústica.
Segundo a profissional, há mecanismos que podem minimizar o impacto. Além da instalação das barreiras, o tipo de asfalto utilizado e até a gestão do tráfego são algumas alternativas apontadas.
Como exemplo, Débora cita o Dique do Tororó, cercado por avenidas de grande fluxo. “Não conheço nenhum lugar público em Salvador que tenha barreiras acústicas. O ruído afeta muito a saúde, e a gente se acostuma, acha que é normal, mas o sistema nervoso, não. Ele é afetado e vamos ficando menos paciente, menos tolerante. Estimula problemas gástricos, cardíacos, dor de cabeça e estresse”, diz.
Em 2007, a arquiteta fez um estudo sobre o impacto da instalação do metrô no ruído já existente da Av. Bonocô, o que resultou na sua dissertação de mestrado na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Ela contou que a média da avenida era de 82 decibéis à época. Com o novo modal, haveria um acréscimo de seis decibéis.
“As pessoas acham que, durante o dia, pode qualquer volume. Infelizmente, só funciona com punição” (Márcia Cardim, subcoordenadora)
“Fiz uma simulação acústica, já que ainda não funcionava. O metrô foi instalado sem nenhum tipo de atenuação acústica. Mas não é exclusivo dele. É algo geral na cidade”, pontua.
Limite
Concessionária que opera o metrô, a CCR informou que monitora a emissão de ruídos com foco “no respeito aos limites estabelecidos”: “O metrô possui cerca de 40 pontos de monitoramento. Cada ponto é avaliado individualmente, e, em geral, nota-se a predominância do ruído advindo do trânsito local. Casos eventuais são avaliados e recebem a tratativa necessária”.
Com relação ao espaço privado, Débora Miranda disse que Salvador é ruidosa no segmento de entretenimento, o que inclui bares, restaurantes e festas. “A partir de 55 decibéis já é o início do estresse auditivo”, explica.
Presidente da ProAcústica, uma associação nacional que congrega empresas relacionadas à qualidade acústica, Edson Claro defende que há ações que podem ser feitas por parte do poder público: “Há fiscalização, criação de barreiras acústicas, alteração de pavimentação e de trânsito, evitar lombadas próximas a residências e até a mudança de pontos de ônibus”.
11.932 – Este foi o número de denúncias de poluição sonora somente este ano em Salvador. Em 2016, foram registradas 54.782
Para ele, além do poder público, há, também, a responsabilização do indivíduo: “O mais difícil é criar a conscientização, pedir para que colaborem. O que mais me assusta é que as pessoas se adaptam, mas pagam um preço. A conta vem com problemas de estresse, insônia, cansaço, irritação”, alerta.
Salvador não tem, também, mapeamento acústico dos decibéis de cada região. “Para poder agir, é necessário entender o comportamento acústico da cidade. O mapeamento mostra o nível de pressão sonora em cada ponto”, disse Débora Barretto, que cita Belém como um exemplo de cidade mapeada acusticamente.
Edson Claro concorda: “A alternativa é fazer um mapa dos ruídos. Salvador está muito atrasada nesse quesito”, diz. Segundo ele, em São Paulo também está prevista a elaboração de um mapeamento acústico.
Procurada pela reportagem, a prefeitura não informou se o município tem planos de realizar um mapeamento dos ruídos da cidade. De 2013 a 2017, o município registrou 1.836 termos de apreensão de bens, em ações de fiscalização e combate à poluição sonora.
“Salvador é barulhenta. É uma questão cultural, de educação. A gente faz campanha, palestras nas escolas. Trabalhamos muito com a questão da educação ambiental”, ressalta a subcoordenadora do órgão de fiscalização da capital, Márcia Cardim.
Impactos na saúde dependem da intensidade e da exposição
A agressão sonora está relacionada, segundo a otorrinolaringologista Clarice Saba, à intensidade do ruído e ao tempo de exposição.
“O limite é de, no máximo, 60 a 80 decibéis. O mundo está muito barulhento e a gente não se dá conta”, afirma a médica.
A exposição a ruídos de grande intensidade podem causar, além da perda auditiva em casos extremos, alterações do humor, irritabilidade, estresse.
O primeiro sinal de uma lesão auditiva, ela ressalta, é o zumbido. Caso persista, a orientação é procurar auxílio médico.
“O limite é de, no máximo, 60 a 80 decibéis. O mundo está muito barulhento e a gente não se dá conta” (Clarice Saba, otorrinolaringologista)
Campanhas
“A nossa cidade é muito barulhenta. Faltam campanhas de esclarecimento e educativas. Já atendi pacientes com lesões provocadas em academias, boates”, destaca a médica.
Uma atitude individual, como o uso do fone de ouvido, também requer cuidados. “Nunca se deve ultrapassar metade da potência do aparelho e, a cada duas horas, é preciso dar um intervalo”, orienta Clarice.
Para a promotora de justiça do Ministério Público do Estado (MP-BA) Cristina Seixas, é necessário ter uma fiscalização maior, voltada para o uso de som em carros, eventos e bares.
“A cidade precisa realmente ter um trabalho de fiscalização e educação. Há anos Salvador é uma das capitais mais barulhentas. Poluição sonora é crime. Está no artigo 54 da Lei 9.605 de crimes ambientais”, pontua a promotora de justiça.
Fonte (original): A Tarde
Anderson Sotero
Seg , 17/04/2017
Link: Jornal A Tarde – Salvador